“Há sete anos, vegeto no
depósito dos rejeitados, desde que me encontraram dentro de um saco plástico”:Assim como muitas crianças que vivem em
abrigos, Eduardo também foi encontrado em um saco plástico.
“Mesmo sem alimentar a
balística com FAMAS, fui condenado aos traumas do abandono de incapaz”: segundo a Wikipédia,
“balística é a ciência que estuda o movimento dos projéteis, especialmente das
armas de fogo, seu comportamento no interior destas e também no seu exterior,
como a trajetória, impacto, marcas, explosão, etc., utilizando-se de técnicas
próprias e conhecimentos de física e química, além de servir a outras
ciências”. FAMAS é um rifle francês e significa “Fuzil de Assalto da
Manufatura de Armas de Santa Ettiene”. Mesmo não tendo relação
alguma com armas, Eduardo foi mais uma vítima do artigo
133 do Código Penal.
“Casal de boy não quer tá no
restaurante jantando, com polícia colando, achando que é sequestro relâmpago.
De ir no shopping explicar pro segurança seguindo: ‘o menino negro tá comigo,
não é bandido, é meu filho’”: você se lembra do caso do menino
de 7 anos vítima de racismo numa concessionária no
Rio de Janeiro, não se lembra?! Após o episódio, os pais do garoto criaram a
página “Preconceito racial não é mal-entendido” no Facebook.
Página criada pelos pais do garoto logo após o "mal-entendido"
“No máximo eu consigo ser
apadrinhado por um doador que dá pra ONG alguns centavos. Pro bebê loiro é
adoção, direito à infância. Pro neguinho, colaborador mensal à distância”: muitas
das crianças que vivem em abrigos são apadrinhadas, recebendo doações mensais.
Na maioria das vezes, são crianças que possuem poucas chances de serem
adotadas.
“O meu perfil afro só é da
hora pra elite em companhia da Madonna ou do Brad Pitt”:
dois famosos, que estão sempre em evidência, com filhos adotivos negros.
“Pelo ECA, meu martírio
tinha que ser temporário, não a porra de um vitalício calvário”: no
primeiro verso da segunda estrofe, Eduardo trata do artigo 4º do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), que diz: “É dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Apesar de gozar
dos direitos do ECA, o sofrimento de Eduardo parece nunca ter fim, é vitalício.
“Em média, em um ano, um
vira lata deixa o instituto de zoonoses e ganha uma casa. Sociedade se preocupa
com bem estar de cachorro, mas que se foda se o preterido aqui tá vivo ou
morto. Que se foda se ele tá nutrido, sente frio, se tá fazendo curso preparatório
pra fuzil”: P - E - S - A -
D – O!!!
“Cansei de ver as Pajero se
afastando do jardim, levando aqueles que chegaram bem depois de mim”: nessa
parte, fica explícito que, quem adota, em sua maioria, tem
uma ótima condição financeira. Provavelmente branco
adotando criança branca, que, mesmo chegando ao abrigo bem depois de Eduardo, é
adotada pelo simples fato de ser branca.
Dados de março de 2013 mostram a ótima condição financeira de quem adota
“É foda só saber o que é higiene,
carinho e sorriso quando um promotor de justiça visita o abrigo. Pro alvará de
funcionamento não ser cassado, nessa data, dão banho, perfumam e até dão afago”:
Eduardo alerta sobre as más condições em que muitas crianças vivem nos abrigos.
“Sou candidato a tá na
cracolândia com a pele marcada pelo selo de qualidade da Fundação Casa. Quem
não recebe sobrenome no RG, ganha artigos 121 no DVC”:
sem o apoio e o sobrenome da família (biológica ou adotiva) no RG, sem qualquer
expectativa de vida, há uma grande possibilidade de Eduardo entrar para o mundo
do crime. O jovem pode cumprir pena na Fundação Casa até os 18 anos e após, ganhar
artigos 121 (matar alguém) no DVC (Divisão de Vigilância e Captura).
“A mina que, depois de
gozar, cê mete o pé no rabo, pode carregar no ventre o próximo desamparado”:
...
“Eu me sinto um produto
descartável dispensado no depósito dos rejeitados. Esperando alguém pra chamar
de pai, esperando alguém pra chamar de mãe”: só o refrão já
bastaria pra entender a mensagem que Eduardo quer passar, mas ele vai além. A
cada estrofe, impressiona e emociona ainda mais o ouvinte.
Apesar
de todos os versos e os casos citados, muitos acreditam na ideia de que não
existe racismo no Brasil. O próprio Senado Federal, com o texto “Racismo
na adoção é mito nacional”, é um exemplo de como querem diminuir
a luta contra o preconceito racial no país. É, Eduardo tem razão: “O homem
estragou tudo...”
Assista
ao clipe de “Depósito dos rejeitados”, lançado nesta quinta (5).
Desde
o fim do primeiro Big Brother Brasil em 2002, o termo “ex-BBB” é usado de forma
pejorativa por críticos intencionados a denegrir os participantes. Até mesmo a
mídia, que publica o dia a dia dos brothers antes, durante e depois do reality
show, usa de má fé ao citar tal termo. Criticado por pseudo-intelectuais que
dizem que a atração não acrescenta nada à vida das pessoas, o BBB é um programa
de entretenimento.
Ou
seja: não tem a função de deixar o telespectador mais “culto” – lembrando que
cultura não é somente aquilo que você gosta – ou mais inteligente. Quem assiste
ao programa, o assiste como um passatempo, para dar risadas e para se divertir
vendo uma dúzia de desconhecidos fazendo atividades que quase todos os brasileiros
fazem diariamente, como tomar banho e almoçar/jantar.
Após
o término do programa, diversos participantes investem em carreiras artísticas.
E seja atuando em novelas, apresentando programas, dentre outras maneiras,
conseguem se manter em evidência na mídia. Sabrina Sato, GraziMassafera e Jean
Wyllys são três exemplos de brothers que continuam sendo pautas até hoje.
O
campeão do quinto BBB talvez seja a maior vítima do termo pejorativo. Eleito
deputado federal em 2010 e reeleito em 2014, Jean é sempre atacado nas redes
sociais por ser um dos mais atuantes parlamentares na defesa dos direitos humanos,
especialmente em relação à causa LGBT. Jornalista com mestrado em Língua e
Linguística, professor e escritor, Wyllys recebe frequentemente a alcunha de
“ex-BBB” por aqueles contrários à sua posição política.
Vice-campeã
da edição que teve Jean Wyllys como vencedor, Grazi Massafera hoje é atriz na Globo.
Após diversos trabalhos em novelas desde 2006, seu papel mais recente foi em
Verdades Secretas, novela das onze que se encerrou na última sexta-feira. Na
oportunidade, deu vida a Larissa, modelo viciada em crack.
Bastante
elogiada durante o folhetim, Grazi mostrou aos telespectadores todo o seu
talento, provando que não deve ser taxada de “ex-BBB”. Diversas passagens
marcantes de Verdades Secretas foram protagonizadas por ela. Após cena em que
sua personagem sofre um estupro coletivo, o
público “pediu” o Oscar para a atriz.
Larissa (Grazi Massafera) após sofrer estupro coletivo em Verdades Secretas
Sabrina
Sato, participante do terceiro BBB, fez parte da equipe do Pânico na rádio e na
televisão por dez anos. No humorístico, fazia a “inovadora” linha da gostosa
burra. Hoje, contrariando as expectativas dos que a viam apenas como o
estereótipo do Pânico, está à frente do Programa da Sabrina, na Rede Record.
Outro
grande exemplo a ser citado é Fernando Fernandes, que participou da segunda
edição do reality show. Após sofrer um acidente de carro que o deixou
paraplégico em 2009, o modelo encontrou na paracanoagem a sensação de liberdade
que havia perdido. Ainda naquele ano, o atleta teve o primeiro contato com a
modalidade, que o consagraria mundialmente anos mais tarde. Desde que passou a
disputar as competições na paracanoagem, Fernando vem conquistando grandes
títulos.
Atualmente,
é tricampeão sulamericano, tetracampeão mundial, bicampeão panamericano,
pentacampeão brasileiro e campeão da Copa do Mundo. Mais do que isso, também é
um campeão fora das águas. Mantém o Instituto
Fernando Fernandes Life, onde oferece aulas de canoagem e
outras atividades físicas para crianças com e sem
deficiência física e seus familiares.
Portanto,
é extremamente fútil e desnecessário se referir a esses e outros brothers como
“ex-BBB” com a intenção de denegrí-los. Todos provaram que possuem talento e
que seus 15 minutos de fama podem e devem durar muito mais que uma simples
formação de paredão ou uma prova do líder. Aos pseudocults, caso ainda não
saibam, existe algo criado há mais de cinco décadas que, basicamente, é
utilizado quando não se quer ver algo na telinha: controle remoto. Basta mudar
de canal ou desligar a tv que o problema está resolvido. Simples assim.
O tetracampeão mundial de paracanoagem Fernando Fernandes
Encerrados
no último dia 26, os Jogos Pan-Americanos de 2015, realizados na cidade de
Toronto, no Canadá, foram
duramente criticados pela revista Veja em recente artigo. Alexandre
Salvador é infeliz na sua colocação ao desmerecer os 590 atletas brasileiros
utilizando-se do argumento de que alguns países (Brasil, inclusive) não enviaram
seus principais nomes para competição.
Respondendo
à Veja, o Pan serve para incentivar às crianças e aos adolescentes do nosso
país, que sem perspectiva alguma de futuro, vêem no esporte uma chance para
mudar de vida. O Pan serve para recompensar os atletas brasileiros, que, sem
quaisquer incentivo ou patrocínio do Comitê Olímpico do Brasil (COB),
conseguiram chegar à competição, muitas vezes gastando o próprio dinheiro. O Pan
serve para premiar nossos competidores, que
tiveram uma infância difícil e tendo o esporte como seu
salvador, levaram a bandeira verde e amarela ao lugar mais alto do pódio em
Toronto.
O
Pan serve para o nadador Thiago Pereira, que se tornou o maior medalhista da
história dos Jogos Pan-Americanos, com 23 medalhas; para Etiene Medeiros, que
conquistou o primeiro ouro da história da natação feminina; para Tiago Camilo,
judoca tricampeão pan-americano; para Yane Marques, do pentatlo moderno,
bicampeã pan-americana; para Marcel Stürmer, tetracampeão pan-americano na
patinação artística
O
Pan serve para Ana Sátila, ouro no C1 da canoagem, o primeiro da história da
modalidade feminina no Brasil; para amigos e familiares desses e de todos os
quase 600 atletas que vibraram ao vê-los emocionados com a medalha no peito;
para milhares de brasileiros que se orgulharam ao ouvir o hino nacional sendo
tocado e cantado com louvor pelos nossos competidores no alto do pódio.
O
Pan serve para que tenhamos cada vez mais Thiagos, Etienes e Yanes no
noticiário esportivo e menos Eduardos no
noticiário policial. Quanto à Veja, sigamos tentando descobrir para que serve
(ou desserve) tal revista.
Isaquias Queiroz, dois ouros e uma prata no Pan, após a perda de um rim e sequestro
A
repressão do governador Beto Richa e a Polícia Militar do Paraná aos
professores contrários ao projeto de lei que altera a previdência estadual, nos
deu uma aula com exemplos concretos que não vemos na escola.
Aula
de Matemática:
-
200 feridos por balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio, sprays de
pimenta e jatos d’água.
-
17 policiais presos por recusa a participar do cerco aos professores.
Aula
de História:
-
Em 30 de agosto de 1988, professores em greve foram recebidos pela cavalaria da
polícia militar, cães e bombas de efeito moral. O hoje senador, Alvaro Dias
(PDSB), era o governador do Paraná. Até então, era a pior repressão já vivida
no estado.
Aula
de Química:
- O gás lacrimogênio, do latim lacrima, trata-se de um grupo de
compostos de propriedades, como seu próprio nome sugere, capazes de irritar a
pele e tecidos sensíveis, como os olhos. Quimicamente, o gás CS, abreviatura
para clorobenzilideno malononitrilo, é um exemplo.
- De custo mais baixo, o spray de pimenta
está entre os mais populares. Outros compostos também podem ser utilizados para
esse fim, como o cloro-acetona e o bromo-acetona.
Aula de Português:
- Confronto: ato ou efeito de confrontar,
comparar, cotejar, confrontação, comparação.
- Massacre: ação ou efeito de massacrar.
Carnificina, chacina, matança. Execução desajeitada, insegura.
Professores acostumados a ensinar foram
ensinados a se acostumar com a repressão policial que ocorre frequentemente em
manifestações por todo o Brasil. De norte a sul, de leste a oeste, a polícia
usa de força excessiva para coagir os que lutam por seus direitos.
Com exceção dos 17 policiais que se recusaram
a participar do cerco aos manifestantes, o restante dos militares merece nota 0
por agredir aqueles que lhes ensinaram o caminho correto para tirar nota 10 na
escola e principalmente na vida.
Hoje,
7 de abril, é comemorado o Dia do Jornalista. Instituída pela ABI (Associação
Brasileira de Imprensa), a data homenageia o médico e jornalista Líbero Badaró.
Vindo da Itália em 1826, três anos mais tarde, fundou o periódico Observador
Constitucional, no qual denunciava o abuso de poder do Império, à época de D.
Pedro I. Badaró foi morto por inimigos políticos em São Paulo em 22 de novembro
de 1830. O movimento popular gerado por sua morte levou à abdicação de D. Pedro
I no dia 7 de abril de 1831. Um século depois, em 1931, 7 de abril foi
instituído como o Dia do Jornalista.
Ser
jornalista não é apresentar
um programa de televisão de cueca. Isso é ser “jornalista”.
Para um programa tão sensacionalista quanto o “Brasil Urgente”, que vive de
explorar a desgraça alheia (inclusive com imagens de mortos como se fossem
lixo), aparecer de cueca em rede nacional é mero detalhe. Acusar
sem provas e distorcer os fatos afim de ter audiência é o objetivo
de Datena e sua trupe, que já conquistou seu espaço na televisão brasileira há
anos.
Ao
afirmar que “o homem é o lobo do homem”, Thomas Hobbes nos propõe uma reflexão:
sendo o jornalista um formador de opinião, ele deve expor o seu pensamento em
um veículo de comunicação, mesmo que esse gere conseqüências graves como os
casos de “justiça com as próprias mãos” ocorridos em 2014?
Sabendo
que temos desejos e necessidades semelhantes e que é natural o conflito entre
nós, o jornalista deve se lembrar que mais vale uma noite bem dormida do que
uma noite com insônia pensando em como explorar a desgraça alheia no dia
seguinte e atingir a liderança na TV.
Eduardo
de Jesus Ferreira. Dez anos de idade. Negro. Morador do Complexo do Alemão.
Apenas mais um a entrar na estatística. Apenas mais uma vítima da PM covarde.
Apenas mais uma vítima do sistema. Apenas mais uma criança que tem seus sonhos
interrompidos graças à repressão policial que ocorre diariamente nas favelas.
Nesta
quinta feira, 2, Eduardo foi brutalmente assassinado por um policial militar do
batalhão de choque da PM. O garoto foi baleado na cabeça na porta de sua casa e
morreu imediatamente.
Eduardo
não é o primeiro e nem será o último a ser assassinado na favela.
Frequentemente (quando a mídia julga necessário), se tem notícia de que a
Polícia matou inocentes (em sua maioria negros e jovens) apenas e unicamente
pelo fato de serem moradores da favela. Quem não se lembra do caso de Alan de
Souza Lima? O
jovem de 15 anos teve sua morte filmada pelo próprio celular na Favela da
Palmeirinha.
Quantos
Eduardos e Alans precisam ser mortos diariamente para deixarem de ser apenas
estatísticas? Quantos Eduardos e Alans precisam ser mortos diariamente para
virarem notícias? Quantos Eduardos e Alans precisam ser mortos diariamente para
discutirmos a desmilitarização da Polícia? Dia após dia, nossa PM se mostra
racista e preconceituosa e ninguém se importa, pois essas mortes já se tornaram
comuns aos nossos olhos. A morte do negro na favela deixou de ser notícia e
passou a ser fato.
Segundo
sua mãe, Terezinha, Eduardo sonhava em ser bombeiro e ajudar o próximo.
Ironicamente morreu vítima de quem deveria sempre nos estender a mão. Triste
pensar que, na dúvida entre atirar ou não no negro, a Polícia sempre opta pela
primeira opção. Lamentável ver que nosso País só anda para trás, vide a PEC que
reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Impossível sonhar com um futuro
melhor diante de tanta injustiça e covardia.
Vá
em paz, Eduardo. Vá iluminar aqueles que direta ou indiretamente são o culpado
de sua partida. Peça muita luz e paz à caminhada desses, pois são os que mais
precisam. Por aqui, continuaremos esperando que amanhã seja melhor. Prometo.
Mas não hoje, Eduardo. Amanhã, infelizmente não será melhor.